Eu era água, e numa chuva caí em um rio em particular, um rio que a princípio não parecia mais que um pequeno riacho; suas águas claras e rasas, sua corrente fraca. Assemelhava-se a apenas mais um rio para se banhar, beber um pouco de sua água e seguir em frente sem mais delongas.
Apesar disso, suas águas tão comuns tinham algo de convidativo - uma vez dentro era difícil sair. Não era possível enxergar motivo para tanto. Mas por que sair? Tudo que se precisa está ao alcance. Era confortável.
Permaneci na superfície por algum tempo. Fechei os olhos e foi bom. Até que percebi que a paisagem tinha mudado. A corrente, por mais fraca que fosse no início, exista e quando dei por mim estava em um ponto avançado e desconhecido do rio. Nesse momento o rio se mostrava surpreendentemente profundo e largo. Suas margens não existiam, eram grandes falésias. Impossível de escalar.
Rios dessa magnitude apresentam potenciais perigos, intrínsecos a sua natureza, e devido a muito calejamento atentei para tudo. E o resultado foi o medo. Não conhecia aquele lugar e um temor crescente tomou conta de mim. Mas os minutos passaram e tudo continuou bem. Aos poucos fui oprimindo aquele sentimento inicial, mas minha imaginação pregava peças - algo estava sempre além do meu campo de visão, algo abaixo de mim, na profundeza das águas. Mesmo dessa forma segui o curso das águas, porém desconfiado, nunca inteiramente entregue aos prazeres daquele lugar encantado.
Essa desconfiança me acompanhou durante toda trajetória. Ora fortalecida, ora enfraquecida, mas sempre constante. E muito devido a isso não fui capaz de mergulhar mais que alguns metros, sempre que tentava logo entrava em pânico e voltava a superfície com rapidez desesperada. Algo me espreitava lá do fundo - ou assim dizia minha intuição.
Decidi que não mais mergulharia. Entendi que conforto estava em cima, não embaixo d'água. E assim fui. Mas não por muito tempo. Aquele lugar por mais encantado e confortável parecia não me pertencer. Da mesma forma que eu não pertencia àquele lugar.
Finalmente percebi que não tinha o que ser feito. A solução não era fugir do rio. Percebi que a solução era esperar o mar e encontrá-lo de forma doce.
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Caminhos se cruzam e se separam. E seguem.
É como um rio; às vezes profundo e calmo, outras raso e violento. E uma verdade: nunca saímos de suas águas da mesma forma que nela adentramos. Porque suas águas nunca são as mesmas. Tudo está em constante movimento. Como apontou Heráclito, não poderás entrar duas vezes no mesmo rio.
Mas se tudo é mudança então nada é mudança. É um paradoxo. Lemmy e Jacob Hemphill demonstram esse conflito.
"Everything changes, it all stays the same" Love me forever, Motorhead
"Nothing ever changes, the only thing I know, nothing ever changes
[...]
So everything changes, nothing stays the same and everything changes" Everything changes, Soldiers of Jah Army