Há uma vontade que pulsa do peito até a garganta, querendo acontecer. É potente — mais potente que tudo que já vivi — e ao mesmo tempo discreta, gentil e quase invisível. Um fio de voz, uma batida de asas no escuro.
Mas às vezes, até o menor dos gestos pode ser insuportável para quem ainda está sangrando.
Eu, um mensageiro com a carta na mão, parado diante da porta fechada. Não que ela esteja trancada — ela apenas pediu para não ser aberta. E mesmo assim, minha mão trêmula com a vontade de girar a maçaneta.
Não para invadir, para oferecer. Sem retorno algum. Um par de mãos silenciosas que chegam, fazem o que precisa ser feito e partem antes de qualquer desconforto. Uma presença sussurrada que diz: "Se você precisar, estou aqui. Se não, eu sei ir embora em silêncio."
Em vez disso, sentei no chão do corredor e abri o envelope só para mim. Lia o que eu mesmo havia escrito, como quem tenta descobrir se, entre as palavras, ainda morava algum gesto que não machucasse.
Lia com a mesma presença com que ela me olhava quando me ouvia — atenta, como se escutasse com os olhos; inteira, como se cada palavra merecesse espaço para respirar dentro dela. E ali, entre linhas que ninguém mais leria, eu a encontrei.
Encontrei-a repousando entre as palavras como uma flor prensada entre as páginas de um livro antigo. Uma flor densa de cheiro e calor; úmida, viva. Daquelas que a gente acende devagar, sentindo o corpo dissolver em riso e pele, numa névoa onde tudo pulsa e desabrocha. Lia, e era como se, por um breve instante, ela também me lesse de volta — entre fumaças do pretérito mais que imperfeito, entre silêncios que sabiam mais do que qualquer palavra.
E percebi que mesmo sem tocar a maçaneta, eu havia entrado — não na casa dela, mas no que ela havia deixado aqui. E um dia, talvez, a porta se abra novamente. E então, se for o tempo certo, eu estarei ali — com as mãos ainda cheias de silêncio.
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