domingo, 1 de junho de 2025

Movimento incensante

Mo meio da pista. Entre graves, luzes e corpos em trânsito, atravessado por uma revelação que não coube mais em silêncio. A pista de dança virou solo sagrado, templo do agora, altar dos meus processos. O corpo, ao mover, abrindo frestas de memória, escorrendo liquefeitas palavras, cores, sons, corpos inteiros.

Sozinho, cercado, percebi que era rito. Um ritual de passagem. Ali, a dança e o tempo se dissolvem no som, cada batida me empurrando mais fundo na escuta de mim mesmo.

As cartas em que me fiei falavam de um futuro que não veio. Parece que ficou faltando.
 Eu não ia embora, mas feri todo mundo de morte. Lia as cartas fazendo toda força pro corpo fazer o que não queria.

A correria, a intensidade, os ditos e não ditos, a revelação. O fim. Os dias que se seguiram. Intermináveis. Silênciosos. Não sabia o que fazer, não havia nada a fazer. Um fim do mundo a cada dia da semana.

A volta se imaginando salvadora, a correria pra lá. Quase sem escrúpulos. Louca. Sem propósito. Desesperada. Porta fechada. Vá embora. Não olhe pra trás. Vou embora. Mas deixo a fresta da porta aberta e fico tentando respirar o ar que circulava antes.

No fim, me jogo na pista. Expresso, atento, na pista. Fiado à esperança. Não sei que tipo de processo é esse, mas das coisas que amava: as cores quentes. Acho que posso encerrar com essa lembrança. As cores quentes.

Porque no fim, ainda que ninguém leia mais nada, sigo escrevendo. No silêncio das entrelinhas. O corpo na pista e a alma no pretérito, sem parar, pago com o movimento incessante.

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