segunda-feira, 16 de junho de 2025

Na sarjeta

alguns livros não gostam de começos nem fins.
se abrem no meio e podem não terminar nunca.

se abrem onde cabem.
escorregam entre páginas soltas, recomeçam no meio de uma frase.
não respeitava suas linhas de corte.
têm um ritmo que não se ensina, só se aprende.
quem lê com atenção, sente — mesmo sem entender tudo.

folheava as páginas com a ponta do dedo.
sem pressa, como quem testa a espessura do mundo.
lia devagar. sobre a cabeça, céus azuis.
onde cabiam sonhos, distâncias e a liberdade de não ficar.
uma vírgula mudava tudo. um ponto final, às vezes, doía mais do que devia.

tentava entender sua cadência.
mas livro não é tarefa, é companhia, é intervalo, é desvio de rota.
entre palavras soltas, marcas de dedo, o cheiro antigo das páginas já lidas.
lia quando ela deixava, e mesmo assim, com cuidado.
me perguntava se eu quero mais. quero sim, now.
não era questão de ler tudo, mas de não rasgar nada.

quando fechou o livro, deixou uma dobra discreta.

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