Lembrei de uma história massa que vovô me contou tantos anos atrás.
Ele morou a vida inteira em Olinda, com breves momentos longe do ninho a despeito da própria vontade. Ele amava Olinda. Que eu também amo.
Na orla da vida que eu comecei a viver as praias são repartidas por espigões de pedra, colocados há muitos anos para tentar conter o avanço das marés. Entre cada espigão uma praia diminuta, uma faixinha de areia entre as rochas enormes.
Pra descer da altura da beira-mar para a areia, escadarias. Quando era pirraia lembro que eram escadas de pedra encrustada no paredão que sustentava a cidade, mas já há muito tempo são degraus de madeira.
Mas do que é feita não é importante. O que importa é que as escadas levam da cidade à praia, e da praia ao mar. E o mar é o mesmo. A maré alta engole os degraus levando direto para o fundo, desaparecendo nas ondas espumadas.
Vovô contava que, com uma pedra pesada nas mãos, seguia em frente, adentro e avante cruzando abaixo da linha do horizonte. O peso da pedra o mantinha no fundo, onde caminhava como em solo lunar — prendendo a respiração e de olhos fechados para não ver os tubarões, dizia ele.
Depois de quase um momento inteiro, quando não aguentava mais segurar, vovô soltava a pedra e emergia. Dava uma lufada de ar e remava de volta. Chegava em terra firme sorridente com a aventura no mar.
Minha família tem em si um monte de analogias com o mar, mesmo que fechem os olhos e prendam a respiração. Mainha via no mar um convite indecifrável. Dizia que em noite de lua cheia se acendia um caminho prateado que convidava pro fundo do mar, mas louco é quem se aventurava. Talvez vovô fosse maluco mesmo.
Entendi que pra tocar o fundo, é preciso escolher o peso certo. E depois, saber a hora de soltar. E, mesmo de olhos fechados e o pulmão ardendo, confiar no retorno. A maior herança que vovô me deixou: coragem para a loucura e liberdade para o mar.
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