Me vi diante de um portão de ferro bem alto, desses que as barras dançam criando padrões quase fractais. Testei e tava aberto, se escancarrou sem rangido. Era a entrada de um jardim. Entrei com um livro na mão e atravessei sentindo a grama sob os pés, rodeado de verde, amarelo, vermelho, rosa, violeta, anil e uma cor que não sei o nome, mas que é a mais bonita de todas, quase um laranja neon.
Parei de observar as flores e me peguei lendo, me deliciando em cada página, sem parar de caminhar. As palavras saltavam das páginas falando comigo, eu lia sem saber se entendia. Às vezes achava que era poesia, às vezes parecia aviso. Estou ciente, quero continuar.
Tentando não tropeçar, fui andando em círculos, ouvindo cantos de pássaros distantes. Voltei ao portão de fractais, ainda escancarrado. Mas tava tão distante que nem me dei conta quando atravessei pra fora. Eu, com o livro nas mãos, mas o olhar distante, lia sem entender direito a história, me distraí.
Pulei uma página por ansiedade e agora tô tentando retroceder, buscando uma frase que fizesse sentido, uma frase que perdi, mas que muda todo o enredo. Já li e reli tudo. Quando achei, já não fazia mais sentido. Nem a frase, nem a palavra, nem a letra. Só então percebi que as cores em volta, ora quentes, estão cinzas.
O livro que levei nas mãos o tempo todo, só se revelou no fim. As páginas que pulei eram as que explicavam tudo. Estavam ali, quietas, carregando o sentido escondido sob camadas de insegurança e ruído. Só compreendi a profundidade quando já era tarde, quando os alicerces haviam virado escombro. Desabou, alto demais pra não fazer estrago.
Lembro bem do momento em que pulei as páginas. Só não sei quantas vezes retornei. Já li tudo, só falta acreditar que o portão de fractais agora range, emperra, não abre mais. Está trancado. Sem voltar pra você eu não descanso. Minha casa é você e eu já sabia.
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