a gente é também o que o mundo faz de nós. e somos ainda o que os outros permitem que sejamos. vestimos rostos diferentes para diferentes olhos. às vezes conscientemente, para sermos compreendidos, para criar identidade, para tecer conexão. mas muitas vezes inconscientemente. porque às vezes o personagem que entregamos é simplesmente o único que conseguimos sustentar. não é escolha. é herança de traumas passados, presentes e até futuros que ainda nos rondam.
pensei nisso pela história de medusa. não a vilã, mas a vítima. uma figura nascida da violação, da dor, da injustiça e da sobrevivência. ela não escolheu o monstro. foi evocada por mãos cruéis, pelo destino torcido, pelo olhar do outro. medusa é o personagem que irrompe quando a ferida não encontra cura. fatal, inevitável, sobrevivente.
já foi. já a encarei nos olhos, já petrifiquei. agora só me resta o trabalho lento de me esculpir de volta. lascar as pedras, despir as camadas de granito, expor a pele frágil, os riscos, as cicatrizes. talvez o que reste seja menos estátua e mais humano. talvez a gente seja sempre isso: um eterno petrificar-se e reencarnar novamente.
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