segunda-feira, 16 de junho de 2025

anti frágil vol. 3

[início - afeto]
não começou com o abalo. começou muito antes. começou ali no primeiro encontro, onde cada pedaço do nosso ser se reconheceu, cada célula à vontade. quando sem aviso o afeto se instalou, bem-vindo, ocupando espaço. nasceu pequeno, cotidiano, quase imperceptível — mas foi se enraizando. e o amor chegou. não é epifania. é construção, acúmulo. pequenas decisões em silêncio.

[travessia - amor]
longa, bonita, cheia de gestos grandes e pequenos. mar aberto, navegar incerto, descoberta mútua. houve manhãs com riso tranquilo, conversas que duraram dias, noites que pareceram eternidade. presença que não exigia esforço. nenhum milagre, só a prática sutil de escolher estar. e essa escolha, repetida, se tornou a própria vida. engenhosa, não faltou beleza. não faltou entrega. e mesmo que um dia tenha faltado fôlego, enquanto foi, foi inteiro.

[despedida - perda]
mil formas de escrever a mesma coisa, de reviver a mesma história, com diferentes nuances, cada novo olhar, tudo novo de novo. perda, fim, ruptura. no horizonte desaparecer. é tão difícil tudo. e não, não se quebra onde se espera. a fratura é exposta, mas vem de dentro, de onde era mais vulnerável. o que era certeza vira eco. e depois, silêncio.

[silêncio - luto]
chegou como baque surdo de tambor, pesando uma tonelada nas pálpebras e no peito. havia dias em que tudo era um cansaço sem causa, outros em que qualquer luz feria. o corpo seguia em marcha macia, mas dentro era desordem. não havia conclusão, só intervalo. como um pântano: cada passo afundava mais um pouco, e qualquer tentativa de pressa puxava ainda mais fundo. o mundo seguiu, mas em mim, tudo atrasou. nenhuma frase fazia sentido, nenhuma lembrança vinha inteira.

[movimento - reconstrução]
dividido entre o vício e a dor: depois do luto — lento, denso, repetido — começa a construção de outra coisa. o afeto, submetido ao impacto, colapsa em algo novo, ele se reconfigura. adensa. se torna mais preciso, menos ilusório. a dor, não só machuca: instrui. afina o olhar. destila a palavra. o que se quebra, se transforma — e vira base para outra forma de estar.

[anti frágil - afeto]
o afeto, ao contrário do que dizem, não é frágil. frágil é a ideia que se faz dele. o que vem antes, o que se espera, o que se projeta. isso sim estilhaça fácil. antifrágil é o que se alimenta do impacto. cresce com o abalo, se refina na instabilidade. o afeto em si — bruto, nu, sem ornamento — sobrevive. de outro jeito, noutro lugar, com outro nome.

[frágil - próprio amor]
mas é bom lembrar: dor não é virtude. ninguém precisa se provar no sofrimento. não há mérito em sangrar bem. merecemos dias leves. o amor que acolhe. o corpo que descansa. a vida que pulsa em paz. o afeto antifrágil não deve ser um ideal. ninguém precisa cair pra merecer flor e a fragilidade do amor.

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