quinta-feira, 17 de julho de 2025

Prosas eternas de um sonho sem lembraças

Era uma festa, ou algo assim. Um espaço amplo, tinha rio, mata e estradas de terra batida. Eu via a lua alta no céu. Sentia presenças conhecidas circulando, mesmo sem vê-las, nossos corpos não se tocavam, mas sabíamos da presença um do outro. Tantas outras pessoas também apareciam de canto de olho. O tempo começou a nublar.

Prestes a precipitar, o sol se insinuou por um segundo, familiar demais pra causar surpresa, breve demais pra me aquecer. Tentei capturar, mas desapareceu no contorno das nuvens, tão rápido quanto surgiu.

Começou a chover. Tive que sair dali. E nesse deslocamento pequeno, me perdi de todos. A lua desapareceu também. Fiquei guardando umas coisas nas mãos. 

De repente, fui levado para fora e para longe. Tentei resistir, mas me sentia quebrado, distorcido, lento. Quando finalmente funcionei, percebi que a chuva havia passado, mas nem sinal da lua. Trevas no céu e na mente. Não lembrava o nome de ninguém. Nenhum nome.

A estrada seguia pra fora, e eu ia junto, arrastado nem sei pelo o que, com o peito embargado e os dedos apertando objetos que me foram deixados. Me pus a voltar. Mas minhas pernas estavam pesadas, como se cada passo afundasse em areia movediça, pesada, pegajosa. Tentei correr, mas era impossível. Tudo se movia menos eu.

A estrada era de terra, flanqueada por cercas de arame farpado. De repente, o caminho foi barrado por uma pilha alta de bancos de madeira. Escalei. No topo, um homem apareceu e tentou me impedir. Disse que eu precisava voltar. Eu insisti. Precisava voltar. Mas não lembrava o nome do lugar. Nem ele sabia ao certo. Sugeriu um caminho alternativo, meio no chute.

Desci da pilha de bancos e entrei numa estrada lateral, também de terra. Tentei olhar um mapa, mas não conseguia me localizar. E isso me desesperava mais do que tudo. Eu sempre fui bom em me situar. Sempre. Mas agora lia cada traço, tateando no escuro, torcendo pra alguma coisa virar caminho.

Surgiram animais. Muitos. Entre eles, dois touros. Alguém gritou me alertando. Um dos touros me encarou e veio. Era estranho. Corpo de touro, mas os olhos pequenos demais, focinho de anta. Me fixou com os olhos e avançou. Segurei pelos chifres. E mesmo carregando um monte de coisa, consegui me soltar dele. Pulei uma cerca que, felizmente, não era farpada.

Caí à margem de um rio. Fui andando, os pés afundando na areia úmida. Mais adiante, encontrei pessoas. Perguntei sobre o lugar onde queria voltar. Um homem com microfone, desses de locutor de rádio, me perguntou se o nome do lugar era apelo.

Não era. Respondi com um cansaço seco: "Não, não é esse o nome."

Segui mais um pouco, mais devagar ainda, como se o sonho tivesse areia dentro. Acordei frustrado, ofegante. Sentia que tinha deixado algo pelo caminho, mas não sabia exatamente o quê. Ou quem.

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