sexta-feira, 27 de junho de 2025

Todas sextas são banais

É isso.
A dor vem menor, e vai embora mais rápido.
Mas o desejo, ainda tá aqui.

Te confesso que quase não quero mais.
Tô quase conseguindo soltar.
E não só ver partir,
mas partir também, mesmo partido.

E te confesso, sem entusiasmo
que me dói não doer como doía antes.
É uma nova dor, mesquinha.
Uma dor que não me reconhece.
Eu me identificava com a outra.

A antiga era honrosa, apesar de indigna.
Essa agora é desonrosa e indigna da mesma forma.
E, se eu pudesse escolher, nem sei qual dor escolheria.
A outra era incapacitante, agora é inconformante.
Nem sei.

Só sei que o tempo  passando.
Impiedoso, calado, sem dar satisfação.
Roendo tudo, mastigando memórias.
Quase não sobra nada.

E, mais uma vez, talvez seja isso.
Em silêncio. Sem imagem. Sem som.
E eu ainda nem sei se eu acordei.

Se tudo virou sonho,
o passado espia o presente
e o futuro.
Déjà vu.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Uma entonação cantada pra fazer uma suposição

Não usei quadriculado esse ano. Nunca uso, pra ser bem sincero.
Mas esse ano foi marcante a ausência. Realmente.

Porque esse ano eu tava fechado em um pequeno quadrado. 
Ainda por cima, sem as cores, os giros e as fogueiras.

Dessa época junina só me restou o frio.
De noite e de manhãzinha. De noite derrubando logo qualquer um, de manhã insistindo em não se levantar.

E olhe que eu rodei. Mas rodei rodopiando, sem sair do canto. Rodei, rodei, rodei. E me vi no mesmíssimo lugar. No canto.

Montado na bicicleta da manhã, cantei meu canto. Ainda tem pelo menos um tanto antes de terminar essa travessia.

Viu, que dia é hoje ao redor do tempo?
Talvez dia de São João. Mas é só uma suposição.

domingo, 22 de junho de 2025

Cólera criativa ou redundância intencional

Ato I - Prólogo em cólera menor

Vamos exercitar um negócio aqui: seria cólera criativa o oposto complementar do ócio corrosivo? Não sei, mas tem duas luas cheias em que o sentimento está transbordando em letras, palavras, frases, parágrafos, ora versos, ora cantados, ora poético, ora apenas descritivo, ora direto, ora subjetivo, ora escondido, ora muito revelado, ora querendo dizer, ora apenas querendo ser escutado.


Ato II - Lar, ou a cena do encurralado

Encurralado onde deveria ser lar.

Ainda vejo cores quentes, vermelho, rubro, mas também negro, opaco.

Dá pra ouvir o sorriso de uma criança e, ao mesmo tempo, ecos de um passado distante e velho.

Quase carcomido mas que ainda guardo com carinho. Não sei por que não me desfiz ainda dessas lembranças, desses registros... Físicos. No início era pra mostrar para a pessoa que partiu o que eu ainda guardava. Depois, se transformou mais ou menos numa prece, numa reverberação, uma tentativa de reverberação no tempo e no espaço daquelas lembranças, daquelas memórias, daqueles acontecimentos. Como se esse gesto-ritual, fosse fazer acontecer de novo.


Ato III - A memória encena o medo

Depois, talvez tenha sido o medo.

O medo de esquecer o cheiro, o som, os gestos, os dias divididos, as memórias boas e ruins, os planos concretizados e abortados. Medo de esquecer e pelo esquecimento, essas memórias, essas lembranças se tornassem menos reais, menos verdadeiras. Porque a pessoa com quem você viveu essas... Essas aventuras, não está mais do seu lado pra dizer "bote fé, foi desse jeito. E digo mais!".


Ato IV - Epílogo da caixa de lembranças

Não vai dizer mais nada. Não vai mais dizer nada, vai só deixar um vázio mudo, sem som, nem cheiro. Só fotografias coladas numa caixa aos poucos sendo desgastada pelo tempo. Maio, Junho, Janeiro, Fevereiro. Os meses abençoados vão se sucedendo. E o que resta é a honra, a missão de honrar e de manter vivo tudo que passou. Com amor, carinho, saudade, com vida vivida e com vida para se viver. Enquanto houver vida. É isso.

sábado, 21 de junho de 2025

Talvez pior até

O turbilhão ainda não acabou.
Acalmou um pouco, é verdade.
Mas pelo menos pra mim parece longe de acabar.

Acordei igual.
Talvez pior até, por tá longe de casa, por não ter acolhimento,
nem possibilidade de ser quem se é no momento.
E aí, pensativo. Vários cenários alternativos.
Um deles me chamou atenção.

Por que, na hora do pânico, eu não dei um passo atrás e disse
"Calma, vamos resolver. A decisão é nossa agora, vamos construir juntos."?

Por que eu não fiz isso?

Aí, pensativo. Era um fluxo reverberando.
Um fluxo de uma historia de amor que tava muito adoecida.
Precisando de atenção, de presença e de verdade.
Eu não consegui fazer as escolhas certas.
Por medo, orgulho, dor, saudade, tristeza.

Errei.
Quase da pior forma possível.
Ferindo de morte quem tava perto.
Não dando nenhuma escolha.
Marchando por cima das flores que a gente tinha plantado.

Eu não me senti autorizado a romper com isso.
Não me senti autorizado a fazer de outra forma.
Como se eu ainda devesse um gesto, uma reparação ao que estava acabando.
E, nesse impulso de dívida, de lealdade ao que havia sido,
atropelei o que era vivo.

Talvez por isso ainda tão doloroso.
Parece que foi uma corda que arrebentou depois de ser esticada ao máximo.
E eu não consegui soltar, tava amarrada.
Agora, não há nada. Fiquei com o vazio nas mãos.
É preciso costurar o abismo ponto a ponto.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Dama de espadas ou compatibilidade cortante

Dividimos camas, colchões ou, simplesmente, suspensos no ar.
Banho juntos, conversas longas, beijos nas costas.
Dignos de reis, rainhas, ou talvez só valete de copas.

Puxar pra perto na alta madrugada.
Troca de olhares em silêncio. Promessas de mindinho.
Transar olhando no olho. Desejo pegando fogo.
Compatíveis, em combustão, olhos virando ao luar.

Cartas reveladas na mesa.
A sorte é minha quando você me encara assim.
O silêncio entre nós embaralha, cada respiração uma aposta.
À espera do seu jogo. Cabeça doida, coração na mão.

Dito isso, me esqueço até de mim.
Me entrego à partida, sem me importar com vitória ou derrota.
De uma forma ou de outra, vai me faltar uns pedacinhos.
Alguém que amou profundamente e teve que sobreviver a isso.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

atmosfera do abraço

to me vendo passando na cozinha, sem propósito. era uma rua estreita e sem saída, só tinha uma janelinha pra circular o ar. aquela meia luz de sempre: amarela, calma, quente.

era pra ficar mais perto dela. tipo a dança dos planetas em torno do sol. tem uma atração gravitacional que puxa. pra perto, pra dentro, pro fundo e pro alto.

três letras que não posso mais juntar. só de brincadeira agora. tipo, como se ninguém tivesse percebendo o óbvio, o ululante. como se eu mesmo não quisesse apontar exatamente o parágrafo, a frase, a palavra e as três letras. e fingir que era pretérito imperfeito. e dizer "massa, né?". ou não?

ela lá fazendo alguma alquimia. o olhar focado, as mãos habilidosas, o pé direito apoaido na coxa esquerda. passei atrás, alguma conversa onde a gente testava os limites da razão, o que a gente acreditava, moldava, encaixava, criava. passei por atração, fiquei por decisão. e parei bem atrás.

o tempo, então, parou também. a cozinha evaporou. era só pele, cheiro e o som quase elétrico da presença. a respiração parecia uma corrente de ar vindo de longe. isso tudo vendo de olhos fechados — não, estavam abertos, em todos os ângulos, flutuando. ficou confuso, mas era certo. eu que quase sempre paro tudo pra te ver passar, tava parado bem atrás de você. te abracei, casa em carne viva, nossos corpos buscando um ao outro. te sussurei algo que mudou tudo. quero morar em você.

terça-feira, 17 de junho de 2025

de costas

[tente novamente mais tarde]
vibração frenética — quando fui atender, parou
foi sem querer, ou queria falar comigo?
vibrando novamente, dessa vez atendi
era sobre reações neuronais muito aceleradas
impulsos friccionando o córtex cerebral

[deixe seu recado após o sinal]
tu passou por nós, praticamente só te vi de costas
movimento rápido, dos olhos, sem hierarquia entre pele e delírio
os cabelos voando, dobrando um corredor, subindo as escadas
ligeireza de quem busca. ou foge

[não foi possível completar sua ligação]
o número chamado não existe. verifique e tente novamente
lembrança e devaneio, nem se reconhecem quando se encontram
ainda vibra, mesmo desligado
fora da área de cobertura

[estará sujeita à cobrança após o sinal]
nós, amigos de outra vida
encarnados na teia ciber-energética
ligados por um fio invisível
distância-presença pós-humana
anárquica. sem começo, nem fim

Te direi tudo

Te direi tudo
Pouco a pouco
Até que tu vá embora 
Aí não te direi mais nada
Porque minhas palavras
Não mais te alcançarão

Já que não posso mais dizer
Escrevo
Não para que saibas
Seria lindo se soubesses
Mas pra não me afogar
No que ainda pulsa em silêncio

Guardo tua ausência 
Como um verbo no pretérito imperfeito
E tento fazer dele ação presente
Mesmo que para esquentar a alma
Precisei acender uma vela
E fazer uma prece

Não posso mais te dizer
Nem mais te ouvir
Nem mais te ler
Como antes lia
Eu sei
Tá repetitivo, tá exaustivo

Mas a única coisa que posso
Brincar com as palavras
Jogar cartas
E voltar pra cama
Onde, talvez, te invente
Mais uma vez

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Com todas as letras

é, eu te amo.
queria te escrever isso com todas as letras.

tudo que você falou eu me perguntei antes.
me perguntei enquanto a mala era feita,
enquanto eu dizia que ia, 
enquanto eu sabia que isso custaria
o que a gente construiu com o mínimo de pressa.
estranho, imperfeito, real. existiu, inteiro, enquanto foi.

“você não tá me dando escolha”
do lado de cá, também parecia não haver,
ou tudo já estava acontecendo
antes que eu pudesse chamar de decisão.
fora de controle.
entre fazer a coisa certa e não causar dor,
tropecei na beira do abismo.

queria ter vivido mais uma vida
pequena, simples, sem performance.
inteira.
a gente tentou, não tentou?
tentou sim.
só queria que desse pra viver tudo sem ferir.
se eu pudesse congelar o tempo eu evitava tudo.

te acho incrível, espero que você tenha uma vida maravilhosa,
que se divirta muito, que seja cada vez mais feliz.

sou eternamente grato por tudo que a gente viveu.
que a vida seja leve, os meses abençoados.
que tudo de incrível que foi só reverbere cada vez mais.
se cuida.

e eu te ouço. juro.
os estilhaços no chão e ainda seguro um caco na mão.
insistentemente,

Na sarjeta

alguns livros não gostam de começos nem fins.
se abrem no meio e podem não terminar nunca.

se abrem onde cabem.
escorregam entre páginas soltas, recomeçam no meio de uma frase.
não respeitava suas linhas de corte.
têm um ritmo que não se ensina, só se aprende.
quem lê com atenção, sente — mesmo sem entender tudo.

folheava as páginas com a ponta do dedo.
sem pressa, como quem testa a espessura do mundo.
lia devagar. sobre a cabeça, céus azuis.
onde cabiam sonhos, distâncias e a liberdade de não ficar.
uma vírgula mudava tudo. um ponto final, às vezes, doía mais do que devia.

tentava entender sua cadência.
mas livro não é tarefa, é companhia, é intervalo, é desvio de rota.
entre palavras soltas, marcas de dedo, o cheiro antigo das páginas já lidas.
lia quando ela deixava, e mesmo assim, com cuidado.
me perguntava se eu quero mais. quero sim, now.
não era questão de ler tudo, mas de não rasgar nada.

quando fechou o livro, deixou uma dobra discreta.

tênue

querer, eu quero ir agora. a pé, na chuva, até a casa dela. agora.

tem uma linha tênue entre buscar e perseguir, entre procurar e invadir.
mas no fim, um continua sendo crime. o outro, castigo.

crime por querer ela. aqui, agora, do meu lado.
castigo por vê-la virar um fantasma. aqui, agora, do meu lado.

anti frágil vol. 3

[início - afeto]
não começou com o abalo. começou muito antes. começou ali no primeiro encontro, onde cada pedaço do nosso ser se reconheceu, cada célula à vontade. quando sem aviso o afeto se instalou, bem-vindo, ocupando espaço. nasceu pequeno, cotidiano, quase imperceptível — mas foi se enraizando. e o amor chegou. não é epifania. é construção, acúmulo. pequenas decisões em silêncio.

[travessia - amor]
longa, bonita, cheia de gestos grandes e pequenos. mar aberto, navegar incerto, descoberta mútua. houve manhãs com riso tranquilo, conversas que duraram dias, noites que pareceram eternidade. presença que não exigia esforço. nenhum milagre, só a prática sutil de escolher estar. e essa escolha, repetida, se tornou a própria vida. engenhosa, não faltou beleza. não faltou entrega. e mesmo que um dia tenha faltado fôlego, enquanto foi, foi inteiro.

[despedida - perda]
mil formas de escrever a mesma coisa, de reviver a mesma história, com diferentes nuances, cada novo olhar, tudo novo de novo. perda, fim, ruptura. no horizonte desaparecer. é tão difícil tudo. e não, não se quebra onde se espera. a fratura é exposta, mas vem de dentro, de onde era mais vulnerável. o que era certeza vira eco. e depois, silêncio.

[silêncio - luto]
chegou como baque surdo de tambor, pesando uma tonelada nas pálpebras e no peito. havia dias em que tudo era um cansaço sem causa, outros em que qualquer luz feria. o corpo seguia em marcha macia, mas dentro era desordem. não havia conclusão, só intervalo. como um pântano: cada passo afundava mais um pouco, e qualquer tentativa de pressa puxava ainda mais fundo. o mundo seguiu, mas em mim, tudo atrasou. nenhuma frase fazia sentido, nenhuma lembrança vinha inteira.

[movimento - reconstrução]
dividido entre o vício e a dor: depois do luto — lento, denso, repetido — começa a construção de outra coisa. o afeto, submetido ao impacto, colapsa em algo novo, ele se reconfigura. adensa. se torna mais preciso, menos ilusório. a dor, não só machuca: instrui. afina o olhar. destila a palavra. o que se quebra, se transforma — e vira base para outra forma de estar.

[anti frágil - afeto]
o afeto, ao contrário do que dizem, não é frágil. frágil é a ideia que se faz dele. o que vem antes, o que se espera, o que se projeta. isso sim estilhaça fácil. antifrágil é o que se alimenta do impacto. cresce com o abalo, se refina na instabilidade. o afeto em si — bruto, nu, sem ornamento — sobrevive. de outro jeito, noutro lugar, com outro nome.

[frágil - próprio amor]
mas é bom lembrar: dor não é virtude. ninguém precisa se provar no sofrimento. não há mérito em sangrar bem. merecemos dias leves. o amor que acolhe. o corpo que descansa. a vida que pulsa em paz. o afeto antifrágil não deve ser um ideal. ninguém precisa cair pra merecer flor e a fragilidade do amor.

lista de coisas importantes

quero te mostrar umas coisas. coisas que fui guardando. tem coisas que lembrei de você por engano, outras que me lembraram você antes mesmo de eu terminar de ver. algumas, confesso, eu forcei. qualquer coisa virava você.

a lista virou uma coreografia dançando com o tempo. um filme velho, não daqueles que eu te mostrei e depois pedi desculpas, mas um bom filmeaquele set que começa no caos, navega outros universos e, por fim, pousa suave em silêncio pleno.

fui guardando. com método, mas sem plano. aquela vontade meio despropositada de construir bancos de dados. de qualquer coisa que ecoasse. guardei porque sim.

porque quero te mostrar o cinema pernambucano, porque o filme é vintage, e porque não aguento mais mostrar filme ruim pra tu.

porque quero mostrar pra você a síntese dessa discussão sobre ciborguismo, cyberpunk e pós-humanismo.

porque quero te mostrar esse ensaio que fala de sonho e de uso de psicodélicos pra cura.

porque acho que tu vai gostar.

porque não mostrei antes, e agora parece tarde, mas ainda assim, quero.

porque quero te mostrar que o brega cura onde dói.

porque esse brega então, esqueça tudo.

porque quero te mostrar essa série distópica.

porque quero mostrar onde o rap encontra com o brega.

porque o brega também dói onde cura, rs.

porque, véi, aqui eu já tava numa energia de foda-se, qualquer coisa tava me lembrando você.

porque aqui é um set finíssimo, acelerado e noturno. a tua cara.

porque esse aqui me pegou daquele jeito: mil lembranças, mil ressonâncias, todas belamente dilacerantes.

porque esse outro set é muito brabo, mais voltado pro prog, pro som diurno, mas fino, você vai gostar.

porque esse aqui me surpreendeu pra caralho! começa acelerado, muito noturno, e termina meio introspectivo e progressivo. esse aqui é creme de la creme. nada mais digno de você.

porque lembrei de você. essa aqui inclusive eu me esforcei, queria que fosse perfeita.

porque essa aqui são vidas passadas, presentes e pretéritos imperfeitos.

porque laia.

porque, nossa, essa aqui é você toda. não tem quase nada meu aqui.

porque é arte com traços, desenho e processo.

porque aqui foi a cura, viu? aqui me pegou daquele jeito e eu só agradeci.

porque melancolia.

porque aqui é você toda. tem muito de mim também. muito, muito. mas é você, sem dúvida.

porque mesmo quando era sobre mim, era você que eu queria que visse.

to ficando repetitivo.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Delírio

Obrigado por esperar. Acordei num instante onde tinha feito tudo diferente. O gesto certo, o tempo certo, as palavras exatas. Senti o calor do abraço depois de muito tempo fora, vi os olhos fecharem em paz. Fica aqui.

Tudo ficou num tom azul-turquesa com raios de luz pulsantes, ora vermelha-neon, ora amarelo-elétrico. Quando os olhos se abriram li tudo caleidoscópico. Lia, mordendo os lábios, dentes cintilando turquesa-neon, seus olhos antes tão vivos, que me atravessavam, agora opacos, sem direção.

Fica aqui. Como se tivesse uma corda amarrada na cintura, foi puxada para longe por uma força invisível. Sem som, só movimento súbito. As mãos e pernas, por inércia, estendidas à frente. A cabeça tombada, olhos abertos mas sem enxergar, boca entreaberta mas sem falar.

Eu me joguei adiante, estiquei os braços o máximo possível, tentando segurar o sol, mas te vi no horizonte desaparecer. Ficou ressoando "obrigado por esperar". Delirante.

Acordei em outro instante, no escuro. O quarto, cinzas. A cidade, fria. O braço ardendo em tons pretos. Fica aqui.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

O que fazer? Problemas cadentes dos nossos afetos

Não to aguentando mais. Tenho que soltar. Eu quero soltar. Engulo seco. Mas quero. Porque não dá mais. Tá doendo, já paralisado. Apavorado, trêmulo.

Não tem o que fazer.

O que tem que fazer é o que tem que ser feito.

Dormir. Comer. Trabalhar. Economizar tempo e energia. Treinar, correr, pedalar. Ir pra praia no final de semana. Ficar em silêncio. Ler. Ler pra lembrar. Conhecer pessoas, fazer amigos. Falar, ouvir. Ouvir, ouvir. 

Ver, ler, escrever. Ler pra esquecer. Esquecer pra lembrar. Viajar, conhecer lugares novos, se desafiar. Morrer e nascer de novo. Fazer vidas felizes. Permitir entristecer. Encerrar. Começar. Amar. Ler e ler o mundo.

Dar, receber, cuidar. Oferecer, agradecer e amar. Ler. Ler a si. Tomar banho de rio. Ir pra longe, voltar pra perto. Honrar os encontros, lamentar as despedidas. Contar histórias, ouvir fantasias. Desejar, se despedir, suprir. Compartilhar, descobrir, compreender, perdoar. Confiar, insistir, respeitar. Ler. Ler o que nunca foi dito.

Acertar. Errar. Ser humano. Ler. Ler e reler. Ler todos os sinais. Ler os dias. Ler os gestos, os desvios, as pausas. Ler até que tudo faça sentido ou até não fazer nunca mais. Ler o passado, o presente e o futuro. Ler no pretérito imperfeito. Ler e decifrar. Ler e, finalmente, soltar. Saltar.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Roteiro de uma lunação

Acordei como fui dormir. Igual aos últimos 30 dias e noites. Parecia que eu ia reunir nas galáxias, depois da supernova. Ao lado do buraco negro, num céu de uma estrela só.

Não sei o que vim fazer aqui. Minhas mãos simplesmente abriram as portas e meus pés caminharam. Eu perguntei se deveria sair e recebi uma resposta dúbia. Pensei se seria necessário, perguntei o que poderia fazer. Inconcluso.

Saí sem rumo, mas com os passos quase milimetricamente definidos. Pra mais perto, sempre. Adiante. Sem preparo pra nada, mas esperando tudo. Pior dos cenários. Desilusão.

Tô há muitos dias revivendo o mesmo dia. A barreira implacável que se levantou com poucas palavras, o cristal delicado de confiança que foi despedaçado estupidamente. Ditos e não-ditos, despejados numa turbina que triturava tudo. Eu e você, e o mundo. Ruído, moído e despedaçado.

Correria. Desespero. Morte.

A lua estava prestes a se encher de veneno. Subterrâneo, visceral, alquímico, letal. Cada raio de luz era uma agulha tatuando fundo na pele tudo que não foi falado esse tempo todo. Depois, tudo foi minguando. Primeiro as palavras, depois o calor. Veio o silêncio frio, úmido e desolador de quem está na tempestade no meio da rua alagada. Tudo escorrendo, invisível, irreversível. Afogando aos poucos quem não teve onde se abrigar.

Depois, céu escuro. Sem pergunta, nem resposta. Quase apagado depois de me consumir inteiro. A última brasa, ainda insistente, soterrada por tanta cinza. Só silêncio e a lembrança do brilho que já foi. Me confundi com a noite no meio de um mar de estrelas. Ou seria um deserto de grãos de areia? No horizonte de eventos a ordem cai em devaneios e se curva ao caos.

Crescendo, a maré anunciava um novo ciclo. Aos poucos, a onda que queria me afogar me colocou na pista. Presente. Bruxuleante. Os gestos tortos, arados, desajeitados. Vivo. Via valor no processo, mesmo afiado a promessas. Não romantize o caos, celebrai-o.

Então, tô aqui novamente no parque de diversões dos corações partidos. Tentando pôr ordem no caos. Varrendo cacos de vidro com as mãos dilaceradas, sujas de sangue. Limpando minha fronte, enxugando minha tez. Pintando tudo de bordô. Um rio vermelho de sangue em cada dedo. Muito tarde pra pedir desculpas. Muito tarde pra dizer que te amo. Muito tarde para reencenarmos essa peça. Muito tarde pra tentar outra rodada nesse jogo de azar.

domingo, 8 de junho de 2025

Ode à indexação

Um brilho eterno de uma mente sem lembranças assim que eu abrir qualquer feed ou pesquisar e ler no pretérito mais que imperfeito. Pra lembrar não basta guardar, o usuário pode não ser encontrado. Tem que criar seu próprio processo antes, seu próprio sistema.

Sistema-lógico-afetivo. Tem razão na emoção? Acho que talvez um caminho onde a gente escolhe o que enfatizar e enraizar, e o que esquecer e sumir. Pra sobreviver sem se perder. Confia no processo. Confia no sistema-lógico-afetivo que você estabeleceu pra si. É preciso estar atento e forte afinal.

Atento ao processo, atento ao sistema, atento aos seus fundamentos. Porque a técnica não é isenta, nem neutra. Podemos nos apropriar de qualquer instrumento se pá, mas no mínimo atentos aos seus fundamentos e objetivos de criação.

E forte pra segurar essa onda e não se afogar. Forte pra (se)construir, (se)destruir, (se)reconstruir. Porque o que não muda é que tudo muda, então vários cenários imprevisíveis. O previsível é onde você escolhe agir, mas sem expectativas.

A parte do lógico pode ficar à cargo do próprio sistema. A parte do afetivo tem que ter criação, criatividade, ousadia, presença e arte. Arte como ato livre de se revelar e se preservar. Tem que ser seu, mesmo que não saiba pra onde. Faz isso. E confia no processo. Insiste com dignidade o seu próprio processo. É uma questão de crença também. Faz parte dessa tecnologia.

E se o corpo é máquina viva, a mente é seu banco de dados. É preciso indexar, porque são muitas linhas. Nem brilho eterno, nem sem lembranças. Estão lá, guardadas com nome, cheiro, som e arte. A arte que transforma lembrança em linguagem, indexação afetiva. Atravessando, traduzindo e honrando a nossa história. Enfim livre.

Com arte, finalmente, bem indexadas no seu sistema-lógico-afetivo. Pra acessar quando quiser. Pra deixar em paz quando não puder. Pode descansar e soltar. E, ao fechar os olhos, quando a saudade for te procurar, não importa a hora nem lugar, escuta e deixa ir.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

E-mail programado para eternidade

Tem cartas que não foram feitas para chegar. São escritas como se fossem bilhetes esquecidos ao vento, rabiscos deixados na mesa da alma para que o tempo leve — ou ao menos alivie.

Hoje escrevo uma dessas.

Escrevo mesmo sabendo que não vai ler. Mesmo sabendo que talvez não queira, talvez não devesse. Mas escrevo. Porque precisei encontrar uma forma de me despedir. A palavra, mesmo muda, ainda é a minha maneira de tocar sem invadir.

Escrevo da saudade do que parecia pequeno: a respiração funda quando o mundo pesava, o murmúrio quase inaudível, a cabeça que caía nos ombros quando a tristeza pousava sem pedir licença. Coisas que ninguém mais notava, mas que pra mim diziam tudo.

O olhar dela profundo que me atravessou desde o primeiro dia. Esse olhar, que um dia me enxergou, agora me foge. E talvez seja justo. Talvez seja assim que os finais acontecem: sem escândalo, só silêncio.

O que vivemos. Disfarçado, adiado, remendado. Foi o mais intenso. Curioso como só se tornou claro no fim, quando a palavra já era sombra.

Sinto muito por precisar escrever isso. Por não ter conseguido dizer antes. Por ainda estar aqui, sem estar mais.

Eu sigo com a saudade — do cheiro, do som, do toque, da palavra, do silêncio, da presença e da ausência.

Isso é o que restou: uma crônica para ninguém. Ou, talvez, uma forma de existir um pouco além da dor.

E então, com delicadeza, encerro.

Sem resposta, sem retorno.

Só um suspiro.

E um adeus.

domingo, 1 de junho de 2025

Movimento incensante

Mo meio da pista. Entre graves, luzes e corpos em trânsito, atravessado por uma revelação que não coube mais em silêncio. A pista de dança virou solo sagrado, templo do agora, altar dos meus processos. O corpo, ao mover, abrindo frestas de memória, escorrendo liquefeitas palavras, cores, sons, corpos inteiros.

Sozinho, cercado, percebi que era rito. Um ritual de passagem. Ali, a dança e o tempo se dissolvem no som, cada batida me empurrando mais fundo na escuta de mim mesmo.

As cartas em que me fiei falavam de um futuro que não veio. Parece que ficou faltando.
 Eu não ia embora, mas feri todo mundo de morte. Lia as cartas fazendo toda força pro corpo fazer o que não queria.

A correria, a intensidade, os ditos e não ditos, a revelação. O fim. Os dias que se seguiram. Intermináveis. Silênciosos. Não sabia o que fazer, não havia nada a fazer. Um fim do mundo a cada dia da semana.

A volta se imaginando salvadora, a correria pra lá. Quase sem escrúpulos. Louca. Sem propósito. Desesperada. Porta fechada. Vá embora. Não olhe pra trás. Vou embora. Mas deixo a fresta da porta aberta e fico tentando respirar o ar que circulava antes.

No fim, me jogo na pista. Expresso, atento, na pista. Fiado à esperança. Não sei que tipo de processo é esse, mas das coisas que amava: as cores quentes. Acho que posso encerrar com essa lembrança. As cores quentes.

Porque no fim, ainda que ninguém leia mais nada, sigo escrevendo. No silêncio das entrelinhas. O corpo na pista e a alma no pretérito, sem parar, pago com o movimento incessante.