terça-feira, 10 de junho de 2025

Roteiro de uma lunação

Acordei como fui dormir. Igual aos últimos 30 dias e noites. Parecia que eu ia reunir nas galáxias, depois da supernova. Ao lado do buraco negro, num céu de uma estrela só.

Não sei o que vim fazer aqui. Minhas mãos simplesmente abriram as portas e meus pés caminharam. Eu perguntei se deveria sair e recebi uma resposta dúbia. Pensei se seria necessário, perguntei o que poderia fazer. Inconcluso.

Saí sem rumo, mas com os passos quase milimetricamente definidos. Pra mais perto, sempre. Adiante. Sem preparo pra nada, mas esperando tudo. Pior dos cenários. Desilusão.

Tô há muitos dias revivendo o mesmo dia. A barreira implacável que se levantou com poucas palavras, o cristal delicado de confiança que foi despedaçado estupidamente. Ditos e não-ditos, despejados numa turbina que triturava tudo. Eu e você, e o mundo. Ruído, moído e despedaçado.

Correria. Desespero. Morte.

A lua estava prestes a se encher de veneno. Subterrâneo, visceral, alquímico, letal. Cada raio de luz era uma agulha tatuando fundo na pele tudo que não foi falado esse tempo todo. Depois, tudo foi minguando. Primeiro as palavras, depois o calor. Veio o silêncio frio, úmido e desolador de quem está na tempestade no meio da rua alagada. Tudo escorrendo, invisível, irreversível. Afogando aos poucos quem não teve onde se abrigar.

Depois, céu escuro. Sem pergunta, nem resposta. Quase apagado depois de me consumir inteiro. A última brasa, ainda insistente, soterrada por tanta cinza. Só silêncio e a lembrança do brilho que já foi. Me confundi com a noite no meio de um mar de estrelas. Ou seria um deserto de grãos de areia? No horizonte de eventos a ordem cai em devaneios e se curva ao caos.

Crescendo, a maré anunciava um novo ciclo. Aos poucos, a onda que queria me afogar me colocou na pista. Presente. Bruxuleante. Os gestos tortos, arados, desajeitados. Vivo. Via valor no processo, mesmo afiado a promessas. Não romantize o caos, celebrai-o.

Então, tô aqui novamente no parque de diversões dos corações partidos. Tentando pôr ordem no caos. Varrendo cacos de vidro com as mãos dilaceradas, sujas de sangue. Limpando minha fronte, enxugando minha tez. Pintando tudo de bordô. Um rio vermelho de sangue em cada dedo. Muito tarde pra pedir desculpas. Muito tarde pra dizer que te amo. Muito tarde para reencenarmos essa peça. Muito tarde pra tentar outra rodada nesse jogo de azar.

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