terça-feira, 8 de julho de 2025

Desejo de escuta e ausência de resposta

Ver demais por dentro talvez seja outra forma de cegueira.

Eu não tô enxergando direito. Meus olhos baixos, tudo nublado, a luz ofuscando.
Ou talvez a falta dela escondendo. Não tô enxergando nada, tás vendo?
Faz tempo.
Mas vez ou outra eu conseguia enxergar.
E até me enxergar, pelos olhos que me olhavam. E me faziam ver.

Olho que via pela boca. Ouvido que escutava com a língua. Mão que lia tudo como se em braile. Tava perto. Bastava esticar o braço. Agora, longe. E rastejante. Como se me arrastasse pra sempre pro lugar onde eu não alcanço.
Nem vejo nada.

Eu tô enxergando torto; não confio no que vejo. Nem em mim. Tá flagrante, mas tão flagrante que caricato.
Não é possível, sabe? Como assim? É isso mesmo? Não dá pra explicar o que rolou comigo. Difícil acreditar, sério, eu não consigo.

Então sigo sem seguir adiante. Porque não enxergo. Como vou dar passos em falso? Só que de tanto que virou rotina, tô indo míope mesmo. Sem enxergar nada, mas avançando com os braços, tentando, pelo menos, ler em braile.

E nessa loucura de avançar enxergando com os braços, eles viraram para-choque. Tô colecionando arranhões, hematomas e cortes profundos.
Principalmente nas mãos. Calejadas, menos sensíveis.
Sinto muito pouco, de novo cego.

Vejo tanto aqui dentro que já não vejo nada lá fora.
Não sei se é espelho, janela ou muro de tijolos.
Talvez eu mereça, também, parar de falar com o espelho.

Tô tateando a vida com os braços, tentando decifrar um mundo que virou braile.

Mas mesmo tateando no escuro, ainda acho que posso encontrar alguma coisa.
Nem que seja o próximo obstáculo.
Ou um rosto.
Ou uma mão. Que lia tudo como se em braile.

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